NIETZSCHE E O CRISTIANISMO

No período moderno, um dos ataques mais fortes ao cristianismo e seu conceito de humildade e mansidão veio do filósofo existencialista alemão Friedrich Nietzsche (1844- 1900). O sofrimento era parte integrante de sua vida, mas também uma área de fundamental interesse em sua filosofia. Quando bem jovem, ele perdeu o pai e muitos outros membros de sua família. 

Nietzsche sempre lutou contra problemas de saúde debilitantes e acabou isolado por uma doença mental durante os últimos onze anos de sua vida. Ao estudar línguas clássicas e filosofia, interessou-se especialmente pela cultura e filosofia da Grécia Antiga. A partir dessa lente, concluiu que a Europa havia perdido seu antigo vigor. O culpado? Nenhum outro senão o cristianismo! 

O filósofo considerava que o cristianismo havia roubado da Europa sua cultura clássica grega e romana de heroísmo, poder e nobreza. O Ocidente e, de fato, a humanidade em sua totalidade, segundo ele, precisava resgatar essa mentalidade clássica se quisesse sobreviver e prosperar.

De acordo com Nietzsche, existem dois tipos de moralidade: a moral do senhor, do nobre, do homem obstinado, e a moral dos escravos ou dos fracos. A moral do senhor define seus próprios valores, decide seu próprio curso de ações e os avalia pelo prisma de suas consequências, como úteis (boas) ou prejudiciais (más). Assim, autonomia, poder, riqueza, nobreza, otimismo, exuberância e coragem são considerados bons, enquanto a fraqueza e a mansidão são consideradas más. 

Por outro lado, a moral do escravo não gera valores ou ações, meramente reage e se opõe aos valores ou ações estabelecidos pela moral do senhor. Enquanto a moral do senhor se concentra na ação, a moral do escravo é reacionária (ou, como Nietzsche diria, ressentida; enquanto a moral do senhor é opressora, a do escravo é subversiva e manipuladora; enquanto a moral do senhor é mais individualista, a do escravo é mais comunitária.

 Sendo assim, como os fracos são incapazes de derrotar os poderosos somente pela força, recorrem à reinterpretação e depreciação do sistema de valores dos senhores. Em vez de desfrutar a moral do homem forte, os fracos projetam no absoluto sua situação de humilhação, universalizando seus valores.

 Segundo o filósofo, o cristianismo é uma religião dos fracos, da moralidade dos escravos. Em suas próprias palavras: “O cristianismo assumiu o lado de tudo que é fraco, baixo e fracassado; forjou seu ideal a partir de qualquer coisa que contradiga os instintos de preservação de uma vida forte; corrompeu até mesmo as faculdades daquelas naturezas mais espirituais, ensinando as pessoas a considerar os valores espirituais mais elevados pecaminosos, enganosos, e como tentações. 

O exemplo mais lamentável seria a corrupção de Pascal, o qual acreditava que sua razão havia sido corrompida pelo pecado original, quando na verdade tinha sido corrompida pelo próprio cristianismo!” (Friedrich Nietzsche, The Anti-Christ, Ecce Homo, Twilight of the Idols and Other Writings, ed. Aaron Ridley e Judith Norman [Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 2005], p. 5).

 Para Nietzsche, o cristianismo é outra reação dos pobres e fracos, destinada a derrubar e controlar os poderosos por meio da manipulação. Os cristãos se resignaram ao seu destino de escravidão e não têm vontade de se tornar donos do próprio destino. Por isso, de maneira hipócrita, denunciam como pecaminoso o que os poderosos têm e exaltam como virtude o que os cristãos não podem ter, impondo a todos os humanos sua nova moralidade. 

Assim, pelo fato de não poderem dominar os ricos e poderosos por outros meios, os cristãos inventaram um modo de controlar os fortes com sua moralidade. Nessa moralidade cristã, por exemplo, os cristãos converteriam sua inevitável fraqueza e submissão a outros na virtude da obediência. E sua incapacidade de se vingar os levaria a inventar a virtude do perdão. Da mesma forma, projetariam outras virtudes como piedade, amor, reciprocidade e igualdade. 

Não importa quão nobres essas virtudes pareçam ser para muitos, para Nietzsche, a moralidade cristã era inaceitável, irracional e repulsiva, porque, em seu ponto de vista, os cristãos usavam essas virtudes para anular a moralidade do homem forte e nobre deste mundo, para escravizá-lo e até mesmo oprimi-lo. Para Nietzsche, a moralidade cristã mantém as pessoas sob controle, na obscuridade e as torna comuns, não excepcionais.

 Obviamente, a crítica de Nietzsche à moralidade cristã e seu conceito fundamental de mansidão é uma compreensão lamentavelmente errada do cristianismo. A virtude cristã da mansidão não emana da fraqueza, mas do poder, da justiça e do amor divinos. 

Quando Jesus foi levado ao tribunal judaico e um oficial Lhe deu uma bofetada, Jesus exigiu uma resposta por aquele ato injusto (Jo 18:23). Os evangelhos deixam claro que Cristo morreu na cruz não porque Ele não tivesse como escapar (Mt 26:53), mas porque voluntária e amorosamente deu a vida pela nossa salvação (Jo 10:17, 18; 18:4-11; 19:11; Fp 2:6-9). A mansidão cristã não é resultado do medo, e sim do amor. 

Paulo ensinou os cristãos a viver “com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando uns aos outros em amor” (Ef 4:2). Ele explicou que nos alegramos com nosso sofrimento e sabemos que “o amor de Deus é derramado em nosso coração” (Rm 5:3-5). Também esclareceu que Deus manifestou Seu amor por nós quando éramos fracos e pecadores (Rm 5:6-8). João afirmou essa verdade bíblica ao declarar: “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4:17-21).

 Ao descrever os humanos como fracos, Paulo não depreciou a humanidade, e sim descreveu a realidade da condição humana (ver também Rm 3:26; 7). A Bíblia não considera a fraqueza humana uma luta de classes; ela descreve todos os humanos como desamparados em face do pecado e da morte. 

Além disso, o cristianismo bíblico não deprecia falsamente a humanidade a fim de enganá-la, fazendo com que as pessoas clamem a Deus por graça. Em vez disso, a Bíblia descreve de forma realista a condição pecaminosa dos seres humanos e retrata um Deus que voluntária e amorosamente Se humilhou para salvar a humanidade arrogante e rebelde (Jo 1:11, 12; 3:16).

 Como disse alguém, é preciso força para ser manso! E é preciso poder divino para amar pessoas pecadoras, arrogantes e rebeldes! Talvez um dos exemplos mais memoráveis da mansidão de Jesus tenha sido Sua oração na cruz pelas pessoas que O crucificaram e estavam zombando Dele: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23:34; veja também Mt 12:15-20; At 8:32; 1Pe 2:21-23). A mansidão é parte do fruto do Espírito; é Deus nos capacitando a vencer os desafios deste mundo. 

 

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