Foi o desejo de liberdade de consciência que inspirou os
peregrinos a enfrentar os perigos da longa jornada através do mar, a suportar
as agruras e riscos das selvas e lançar, com a bênção de Deus, nas praias da
América do Norte, o fundamento de uma poderosa nação. Entretanto, sinceros e
tementes a Deus como eram, os peregrinos não compreendiam ainda o grande princípio
da liberdade religiosa. A liberdade, por cuja obtenção tanto se haviam
sacrificado, não estavam igualmente dispostos a conceder a outros. "Muito
poucos, mesmo dentre os mais eminentes pensadores e moralistas do século XVII,
tinham exata concepção do grandioso princípio - emanado do Novo Testamento -
que reconhece a Deus como único juiz da fé humana." - Martyn.
A doutrina de que Deus
confiara à igreja o direito de reger a consciência e de definir e punir a
heresia, é um dos erros papais mais profundamente arraigados. Conquanto os
reformadores rejeitassem o credo de Roma, não estavam inteiramente livres de
seu espírito de intolerância. As densas trevas em que, através dos longos
séculos de domínio, havia o papado envolvido a cristandade inteira, não tinham
sido mesmo então completamente dissipadas. Disse um dos principais ministros da
colônia da Baía de Massachusetts: "Foi a tolerância que tornou o mundo
anticristão; e a igreja nunca sofreu dano com a punição dos hereges." -
Martyn.
Foi adotado pelos colonos o regulamento de que apenas membros da igreja
poderiam ter voz ativa no governo civil. Formou-se uma espécie de Estado
eclesiástico, exigindo-se de todo o povo que contribuísse para o sustento do
clero, concedendo-se aos magistrados autorização para suprimir a heresia.
Assim, o poder secular encontrava-se nas mãos da igreja. Não levou muito tempo
para que estas medidas tivessem o resultado inevitável: a perseguição.
Onze anos depois do
estabelecimento da primeira colônia, Roger Williams veio ao Novo Mundo.
Semelhantemente aos primeiros peregrinos, viera para gozar de liberdade
religiosa; mas, divergindo deles, viu (o que tão poucos em seu tempo já haviam
visto) que esta liberdade é direito inalienável de todos, seja qual for o credo
professado. E era ele fervoroso inquiridor da verdade, sustentando, juntamente
com Robinson, ser impossível que toda a luz da Palavra de Deus já houvesse sido
recebida. Williams "foi a primeira pessoa da cristandade moderna a
estabelecer o governo civil sobre a doutrina da liberdade de consciência, da
igualdade de opiniões perante a lei".
Bancroft declarou ser o dever do magistrado restringir o
crime, mas nunca dominar a consciência. "O público ou os magistrados podem
decidir", disse, "o que é devido de homem para homem; mas, quando
tentam prescrever os deveres do homem para com Deus, estão fora de seu lugar, e
não poderá haver segurança; pois é claro que, se o magistrado tem esse poder,
pode decretar um conjunto de opiniões ou crenças hoje e outro amanhã, como tem
sido feito na Inglaterra por diferentes reis e rainhas, e por diferentes papas
e concílios na Igreja Romana, de maneira que semelhante crença degeneraria em
acervo de confusão." - Martyn.
A assistência aos cultos da igreja
oficial era exigida sob pena de multa ou prisão. "Williams reprovou a lei;
o pior regulamento do Código inglês era o que tornava obrigatória a assistência
à igreja da paróquia. Obrigar os homens a unirem-se aos de credo diferente,
considerava ele como flagrante violação de seus direitos naturais; arrastar ao
culto público os irreligiosos e os que não queriam, apenas se assemelhava a
exigir a hipocrisia. ... "Ninguém deveria ser obrigado a fazer
culto", acrescentava ele, "ou custear um culto, contra a sua
vontade." "Pois quê?" exclamavam seus antagonistas, aterrados
com os seus dogmas, "não é o obreiro digno de seu salário?" "Sim",
replicou ele, "dos que o assalariam."" - Bancroft.
Roger Williams era respeitado e
amado como ministro fiel e homem de raros dons, de inflexível integridade e
verdadeira benevolência; contudo, sua inabalável negação do direito dos
magistrados civis à autoridade sobre a igreja, e sua petição de liberdade
religiosa, não podiam ser toleradas. A aplicação desta nova doutrina, dizia-se
insistentemente, "subverteria o fundamento do Estado e do governo do
país". - Bancroft. Foi sentenciado a ser banido das colônias, e
finalmente, para evitar a prisão, obrigado a fugir para a floresta virgem,
debaixo do frio e das tempestades do inverno.
"Durante catorze
semanas", diz ele, "fui dolorosamente torturado pelas inclemências do
tempo, sem saber o que era pão ou cama. Mas os corvos me alimentaram no deserto". E uma árvore oca muitas vezes lhe serviu de abrigo. - Martyn.
Assim continuou a penosa fuga através da neve e das florestas, até que
encontrou refúgio numa tribo indígena, cuja confiança e afeição conquistara
enquanto se esforçava por lhes ensinar as verdades do evangelho.
Tomando
finalmente, depois de meses de sofrimentos e vagueações, rumo às praias da Baía
de Narragansett, lançou ali os fundamentos do primeiro Estado dos tempos
modernos que, no mais amplo sentido, reconheceu o direito da liberdade
religiosa.
O princípio
fundamental da colônia de Roger Williams era "que todo homem teria
liberdade para adorar a Deus segundo os ditames de sua própria
consciência". - Martyn. Seu pequeno Estado - Rhode Island - tornou-se o
refúgio dos oprimidos, e cresceu e prosperou até que seus princípios básicos -
a liberdade civil e religiosa - se tornaram as pedras angulares da República
Americana.
No grandioso e
antigo documento que aqueles homens estabeleceram como a carta de seus direitos
- a Declaração de Independência - afirmavam: "Consideramos como verdade
evidente que todas as pessoas foram criadas iguais; que foram dotadas por seu
Criador de certos direitos inalienáveis, encontrando-se entre estes a vida, a
liberdade e a busca da felicidade."
E a Constituição garante, nos termos
mais explícitos, a inviolabilidade da consciência: "Nenhum requisito
religioso jamais se exigirá como qualificação para qualquer cargo de confiança
pública nos Estados Unidos." "O Congresso não fará nenhuma lei que
estabeleça uma religião ou proíba seu livre exercício."
"Os
elaboradores da Constituição reconheceram o eterno princípio de que a relação
do homem para com o seu Deus está acima de legislação humana, e de que seus
direitos de consciência são inalienáveis. Não foi necessário o raciocínio para
estabelecer esta verdade; temos consciência dela em nosso próprio íntimo. É
essa consciência que, em desafio às leis humanas, tem sustentado tantos
mártires nas torturas e nas chamas. Sentiam que seu dever para com Deus era
superior às ordenanças humanas, e que nenhum homem poderia exercer autoridade
sobre sua consciência. É um princípio inato que nada pode desarraigar." -
Documentos do Congresso (Estados Unidos da América do Norte).
Espalhando-se
pelos países da Europa a notícia de uma terra onde todo homem gozava o fruto de
seu próprio trabalho, obedecendo às convicções de sua consciência, milhares se
concentraram nas praias do Novo Mundo. Multiplicaram-se rapidamente as
colônias. "Massachusetts, em virtude de lei especial, estendia cordiais
boas-vindas e auxílio, à expensa pública, aos cristãos de qualquer
nacionalidade que fugissem através do Atlântico "para escaparem de guerras
ou fome, ou da opressão de seus perseguidores". Assim os fugitivos e
opressos pela lei se faziam hóspedes da comunidade pública." - Martyn.
Vinte anos depois do primeiro embarque de Plymouth, outros tantos milhares de
peregrinos se tinham estabelecido na Nova Inglaterra.
A fim de
assegurarem o objetivo que procuravam, "contentavam-se com ganhar parca
subsistência, por uma vida de frugalidade e labuta. Nada pediam do solo senão o
razoável produto de seu próprio labor. Nenhuma visão dourada projetava falsa
luz sobre seu caminho. ... Estavam contentes com o progresso vagaroso mas firme
de sua política social. Suportavam pacientemente as privações do sertão,
regando a árvore da liberdade com lágrimas e com o suor de seu rosto, até
deitar ela profundas raízes na terra".
A Escritura
Sagrada era tida como fundamento da fé, a fonte da sabedoria e a carta da
liberdade. Seus princípios eram diligentemente ensinados no lar, na escola e na
igreja, e seus frutos se faziam manifestos na economia, inteligência, pureza e
temperança. Poderia alguém morar durante anos nas colônias dos puritanos,
"e não ver um bêbado nem ouvir uma imprecação ou encontrar um
mendigo". - Bancroft. Estava demonstrado que os princípios da Bíblia
constituem a mais segura salvaguarda da grandeza nacional. As fracas e isoladas
colônias desenvolveram-se em confederação de poderosos Estados, e o mundo
notava com admiração a paz e prosperidade de "uma igreja sem papa e um
Estado sem rei".
Mas as praias da
América do Norte atraíam um número de imigrantes sempre maior, em que atuavam
motivos grandemente diversos dos que nortearam os primeiros peregrinos.
Conquanto a fé e a pureza primitiva exercessem ampla e modeladora influência,
veio a tornar-se cada vez menor ao aumentar o número dos que buscavam
unicamente vantagens seculares.
O regulamento
adotado pelos primeiros colonos, permitindo apenas a membros da igreja votar ou
ocupar cargos no governo civil, teve os mais perniciosos resultados. Esta
medida fora aceita como meio para preservar a pureza do Estado, mas resultou na
corrupção da igreja. Estipulando-se o professar religião como condição para o
sufrágio e para o exercício de cargos públicos, muitos, influenciados apenas
por motivos de conveniência mundana, uniram-se à igreja sem mudança de coração.
Assim as igrejas vieram a compor-se, em considerável proporção, de pessoas não
convertidas; e mesmo no ministério havia os que não somente mantinham erros de
doutrinas, mas que eram ignorantes acerca do poder renovador do Espírito Santo.
Assim novamente se demonstraram os maus resultados, tantas vezes testemunhados
na história da igreja, desde os dias de Constantino até ao presente, de procurar
edificar a igreja com o auxílio do Estado, apelando para o poder temporal em
apoio do evangelho dAquele que declarou: "Meu reino não é deste
mundo." João 18:36. A união da Igreja com o Estado, não importa quão fraca
possa ser, conquanto pareça levar o mundo mais perto da igreja, não leva, em
realidade, senão a igreja mais perto do mundo.
O grande princípio
tão nobremente advogado por Robinson e Rogério Williams, de que a verdade é
progressiva, de que os cristãos devem estar prontos para aceitar toda a luz que
resplandecer da santa Palavra de Deus, foi perdido de vista por seus
descendentes. As igrejas protestantes da América do Norte, assim como as da
Europa, tão altamente favorecidas pelo recebimento das bênçãos da Reforma,
deixaram de prosseguir na senda que se haviam traçado. Posto que de tempos em
tempos surgissem alguns homens fiéis, a fim de proclamar novas verdades e
denunciar erros longamente acariciados, a maioria, como os judeus do tempo de
Cristo ou os romanistas do tempo de Lutero, contentava-se em crer como creram
seus pais, e viver como eles viveram.
Portanto, a religião degenerou novamente
em formalismo; e erros e superstições que, houvesse a igreja continuado a andar
à luz da Palavra de Deus, teriam sido repudiados, foram acalentados e retidos.
Destarte, o espírito que fora inspirado pela Reforma, foi gradualmente
arrefecendo até haver quase tão grande necessidade de reforma nas igrejas
protestantes como na igreja romana ao tempo de Lutero. Havia o mesmo mundanismo
e apatia espiritual, idêntica reverência às opiniões de homens, e substituição
dos ensinos da Palavra de Deus pelas teorias humanas.
A ampla circulação
da Escritura Sagrada nos princípios do século XIX, e a grande luz assim
derramada sobre o mundo, não foram seguidas de um correspondente progresso no
conhecimento da verdade revelada e na piedade prática. Satanás não pôde, como
nos séculos anteriores, privar o povo da Palavra de Deus; esta foi posta ao
alcance de todos; com o intuito porém, de ainda cumprir seu objetivo, levou
muitos a tê-la em pouca conta. Os homens negligenciavam pesquisar as
Escrituras, e assim continuaram a aceitar falsas interpretações e acalentar
doutrinas que não tinham fundamento na Bíblia.
Vendo o malogro de
seus esforços em aniquilar a verdade pela perseguição, Satanás de novo recorreu
ao plano de condescendência, que deu como resultado a grande apostasia e a
formação da Igreja de Roma. Induziu os cristãos a se aliarem, não com os
pagãos, mas com os que, por seu apego às coisas deste mundo, tinham demonstrado
ser tão verdadeiramente idólatras como o eram os adoradores de imagens de escultura.
E os resultados desta união não foram menos perniciosos então do que nos
séculos anteriores; o orgulho e a extravagância eram incentivados sob o
disfarce de religião, e as igrejas se tornaram corruptas. Satanás continuou a
perverter as doutrinas da Escritura Sagrada, e tradições que deveriam fazer a
ruína de milhões estavam a deitar profundas raízes. A igreja mantinha e
defendia essas tradições, em vez de contender pela "fé que uma vez foi
dada aos santos". Assim se degradaram os princípios por que os reformadores
tanto haviam realizado e sofrido.
O Grande Conflito; pags 201-208.
O Grande Conflito; pags 201-208.
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