O CÂNTICO DE MOISÉS E O CÂNTICO DO CORDEIRO

O Cântico de Moisés em Êxodo 15 é um dos textos mais teologicamente ricos do Antigo Testamento. Mais do que uma simples celebração pela travessia do Mar Vermelho, este poema é uma declaração litúrgica da realeza de Yahweh, que triunfa sobre as forças do caos e estabelece Seu domínio sobre a criação e a história; e o cântico ainda tem projeções proféticas no Apocalipse.

O cântico que está nos vs1-19, divide-se em duas partes principais: 1. A vitória sobre o Egito (vs1-12) – Um relato poético da destruição do exército de Faraó. E a 2ª parte é a proclamação do reinado de Yahweh (vs13-18) – Uma antecipação da conquista de Canaã e do santuário divino. 

O poema segue a estrutura de um hino de guerra antigo, semelhante aos textos ugaríticos, mas com uma teologia distintamente israelita. A linguagem é intencionalmente cósmica, apresentando Yahweh como um guerreiro divino que domina até as forças primordiais do caos. Essa imagem do guerreiro divino aparecem em Apocalipse 6 v1 e Apocalipse 19 vs11-15. 

O afogamento do exército egípcio não é apenas um evento histórico, mas uma recriação da narrativa de Gênesis 1, onde Deus vence as águas do caos: o v7 diz "Lançaste no abismo os que se levantaram contra Ti; com Teu furor os consumiste como palha". O motivo do combate cósmico (Yahweh vs. o mar/ que representa a divindade egípcia Rá-Hórus) ecoa mitos cananeus, mas é reinterpretado para mostrar a supremacia do Deus de Israel. O Egito, no contexto apocalíptico é o inimigo número um de Yahweh, a primeira das sete cabeças do Dragão (Ap 12:3); e Yahweh o enfrenta em seu habitate, o abismo, o fundo do oceano, o mar de onde ele geras as bestas. 

O mar, na mentalidade antiga, simbolizava o caos primordial, e ao dividir o Mar Vermelho, representa a soberania divina e o poder de Yahweh como Criador. O mar, na tradição hebraica, e na imagística do Apocalipse, simboliza as forças hostis; o Dragão é uma serpente marinha. Isaías 27 v1 diz que “Naquele dia o Senhor... o Leviatã, serpente veloz, Leviatã, serpente tortuosa; e matará o monstro que está no mar.” O Egito sendo afogado no mar, é um prenúncio para a Besta do Mar e a Besta do Abismo, de que seu fim será o Lago de Fogo (Ap 20 v10).

O cântico não termina com a destruição do Egito, mas com uma visão escatológica: "Tu os levarás e os plantarás no monte da Tua herança... Santuário, ó Senhor, que as Tuas mãos estabeleceram" (v17). Essa visão é ampliada em Apocalipse 20 v4 – “Vi tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade para julgar. ... e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos”. Esses tronos estão no Santuário Celestial, e ali os justos julga-rão os seus inimigos, e os condenarão ao fogo eterno, a extinção eterna.

Este trecho antecipa a conquista de Canaã e a construção do Templo, mostrando que o Êxodo não é um fim em si mesmo, mas o início de um projeto teocrático. 

Essa última parte do cântico de Moisés é uma liturgia de entronização, onde Yahweh é proclamado rei não apenas sobre Israel, mas sobre todas as nações; não foi composto apenas para registro histórico, mas para uso cultual. A linguagem do "temor" no v16, ecoa em textos como Josué 2:9-11, onde as nações reconhecem o poder de Yahweh. Vários salmos, como o 77 e o 106, e até o livro de Apocalipse (Ap 15 vs2,3) o retomam, mostrando sua centralidade na memória litúrgica de Israel. 

O Cântico de Moisés aqui em Êxodo 15 e o Cântico do Cordeiro em Apocalipse 15, tem conexões teológicas; repre sentam dois momentos cruciais na narrativa bíblica: o primeiro, uma celebração da libertação histórica do Egito; o segundo, uma proclamação escatológica da vitória final de Deus sobre o Dragão, a Besta do Mar e o Falso Profeta. Embora separados por séculos, esses hinos compartilham uma teologia profundamente conectada, revelando a continuidade do plano redentor de Deus. 

Êxodo 15:1-19, já vimos, é O Cântico da Libertação do Egito. Apocalipse 15 vs3,4 é O Cântico da Vitória Escatológica. Os vencedores da Besta do Mar, celebram diante do trono de Deus. 

No v3 Deus é declarado como Rei das Nações. Justiça e verdade divinas são manifestadas no juízo (v4). E a  Adora ção universal ao Cordeiro é celebrada (v4). Este cântico reescreve Êxodo 15 à luz da vitória de Cristo, mostrando que o Êxodo foi um prelúdio da vitória de Jesus sobre os poderes finais – o Dragão a Besta e o Falso Profeta. 

A linguagem de "justos e verdadeiros" (v3) ecoa a fidelidade de Yahweh no Êxodo, agora cumprida em Cristo.

Nos dois cânticos, Yahweh/Jesus são como Guerreiros Divinos. Êxodo 15:3: "O Senhor é guerreiro; Senhor é o Seu nome." Em Apocalipse 15:3: "Grandes e maravilhosas são as Tuas obras, Senhor Deus Todo-Poderoso! Justos e verdadeiros são os Teus caminhos, ó Rei das nações!" 

Ambos os textos apresentam Deus como um vencedor cósmico. No Êxodo, Ele derrota Faraó; no Apocalipse, Ele triunfa sobre a Besta. A diferença é que, em Apocalipse, o Cordeiro (Cristo) compartilha essa vitória, cumprindo o papel de guerreiro-redentor (Ap 5:6-10). O tema do "Deus guerreiro" é central na tradição israelita e é reinterpreta do cristologicamente no NT. 

Em Êxodo 15: O mar é o instrumento do juízo sobre o Egito.  Em Apocalipse 15 “mar de vidro, misturado com fogo” lembra o Mar Vermelho, e os juízo de fogo e enxofre.

Em ambos os casos, Deus age de forma sobrenatural para destruir Seus inimigos. No Êxodo, as águas representam o caos vencido; no Apocalipse “o mar de vidro misturado com fogo, evoca o Lago de Fogo e enxofre de Apocalipse 20 v10. 

O juízo no Êxodo é um mini juízo para o juízo final escatológico. 

Em Êxodo 15 vs14-16: As nações tremem diante de Israel. Em Apocalipse 15:4 é dito que "Todos os povos virão e Te adorarão." 

O Êxodo assim, antecipa um reino teocrático, enquanto o Apocalipse revela seu cumprimento na Reino Eterno. A diferença é que, em Cristo, a adoração não se limita a Israel, mas abrange todas as nações. 

No Êxodo temos uma das primeiras batalhas do Grande Conflito, não plenamente realizada, e no Apocalipse, temo o Armagedom (Ap 16 v16), a última batalha.

No Êxodo, o tabernáculo é prometido (cap.15:17); no Apocalipse, o templo celestial é aberto (cap.15 v5). 

O Êxodo prepara o caminho para a missão às nações; e o Apocalipse finaliza a conquista e salvação das nações. 

Êxodo 15 celebra Deus libertando Israel do Egito. Apocalipse 15 celebra Cristo libertando a humanidade do pecado e da morte. 

Assim Apocalipse 15 é uma "releitura escatológica" de Êxodo 15. Um Único Cântico, Duas Fases da Redenção. 

O cântico de Moisés termina com a declaração – “O Senhor reinará por todo o sempre” v18; o Apocalipse termina descrevendo – “Os seus servos o adorarão,contemplarão a sua face, e na sua testa terão gravado o nome dele... e reinarão para todo o sempre” Ap 22 vs3,5.

Conclusão

Os dois cânticos não são independentes, mas elos da mesma cadeia redentora.

A Bíblia não é uma coleção de histórias desconexas, mas uma narrativa unificada, onde o Êxodo prenuncia o Apocalipse, e o Cordeiro cumpre o que Moisés começou.

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